Metropolis - V
Metropolis é uma produção germana de 1927 sob a direção do genial Fritz Lang. É tido como o primeiro filme de ficção científica da história do cinema, nos primórdios do século passado.
Confesso que se por um lado é delicioso, prazeiroso discorrer e tentar compreender Metropolis, por outro é altamente complexo analisar esta obra-prima do cinema que não é somente de ficção, mas é profética-visionária, também.
Antes de dar continuidade, gostaria de lhes dar uma sugestão. Se vocês quiserem saber o que significa e quais as consequências da chegada de um psicopata - nato! - ao poder, assistam a série Dr. Mabuse: Dr. Mabuse (1922), O Testamento do Dr. Mabuse (1933) e Os Mil Olhos do Dr. Mabuse (1960), todos do mesmo Fritz Lang. Não assistam estas jóias do cinema, apenas; estudem elas, pois mostram a catástrofe que é a chegada de uma casta de psicopatas ao poder, governando uma nação. Conheçam o Dr. Mabuse e todos entenderão um pouco melhor o Brasil dos últimos 14 anos.
Muitas vezes é chato fazer ou tentar criar sínteses inúteis ou, como gosto de dizer, "pilulares" - tal qual pílulas. No entanto, gosto de pensar na obra Metropolis como uma "distopia-entrópica-herodiana". O próprio filme mostra isso, respectivamente, bem no início; na crítica que leva este ideal ao caos; e, no final, a loucura coletiva - sempre das massas histéricas - que quase terminam por vítimar, sim!, a verdadeira síntese do futuro e de todo o amanhã: as crianças.
Impressiona-me bastante, do mesmo modo, a dramaticidade gestual da "Falsa Maria" ou o contraponto da "Maria profetiza", fruto da criação do inventor-cientista Rotwang. O robô Maschinenmensch, malignamente, extraí um clone sombrio de sua refém, Maria Profetiza. Portanto, Rotwang é totalmente obcecado e, por sua vez, obssediado ao projetar em sua Maschinenmensch, todo o seu complexo amoroso pela Hel, uma amor perdido para o seu chefe todo poderoso.
Quando digo "dramaticidade gestual" é porque a Falsa Maria (a atriz Brigitte Helm) consegiu antecipar, em mais de meia década, a performance de Hitler em seus famosos discursos de ódio, sedução e farta sedição coletiva. Falsa Maria consegue seduzir as massas com seus discursos e toda uma fala corporal que lembra totalmente Hitler, só que seis anos antes de sua ascenção em 1933, levando o nazi-fascismo ao poder na Alemanha.
Há uma passagem de C.G.Jung que cabe perfeitamente para este caso, bem como para os dias de hoje; sem maiores cerimônias, para o nosso país, o Brasil. Ler Jung e a gênese de sua obra é algo, a meu ver, essencial à compreensão psicológica e histórica de Metropolis.
"Hitler nunca logrou uma relação saudável com essa figura feminina, a que eu chamo anima. O resultado é que está possuído por ela. Em vez de ser verdadeiramente criativo, ele é, por conseguinte, destrutivo. Eis uma das razões pela qual Hitler é perigoso: ele não possui em seu íntimo as sementes da verdadeira harmonia."
(C.G. JUNG: Entrevistas e Encontros - Jung Diagnostica os Ditadores, 1939)
A Falsa Maria, por conseguinte, era um segredo que somente seu criador maldito, Rotwang, sabia porque as massas, agora controladas por ela, não sabiam que aquilo a que seguiam cegamente era um robô ou melhor: um andróide que atravessou um processo de transfiguração, assumindo, fielmente, uma cópia perfeita de Maria Profetiza; porém, no fundo, imagem e semelhança de seu criador ou o mal encarnado em Rotwang.
Lembremos que a palavra "androide", etimologicamente falando, tem raiz latina, onde "andro" = homem e "eidos" = imagem, aparência. Esta definição possibilita um entendimento ainda melhor do sisma mostrado por Fitz Lang, nesta obra cinematográfica sem par até os dias de hoje. Digo sisma, não somente no sentido de ruptura sociopolítica, mas principalmente psíquica- tanto do indivíduo como da sociedade enquanto massa manipulada.
A cidade de Metropolis tem uma divisão elementar! Acima a visão da perfeição, de uma urbe apolínea, futurista com todo o seu progresso, porém graças à miséria do inframundo desta mesma localidade que é sustentada por uma política de opressão e subjugação da classe industrial-operária que não passa de um segmento produtivo-escravo, necessário a todo o desenvolvimento e evolução pacífica do ideal Metropolis.
Pois bem. Foi precisamente o androide Maschinenmensch, também chamada de Futura que se tornou o fator decisivo na crise de ruptura de Metropolis: o conflito entre o inframundo da classe trabalhadora e o estado totalitário da superfície.
Como estou discorrendo sem obrigações ou compromissos, redijo de forma fragmentária. Logo, vou dar um pulo e avançar muitos minutos, nas mais de 2 horas de Metropolis, para apontar um detalhe importantíssimo em relação ao androide Maschinenmensch, Futura ou Hel, como também é conhecida.
As obras de Hieronymus Bosch (1450-1516) e Pieter Bruegel (1525-1569) que fiz uso, teve o propósito de mostrar que já no início do século passado, Fritz Lang já mostrava que o "hibridismo" seria uma vertente - como se tornou - na indústria cinematográfica voltada à ficção científica.
Ao fazer uso das imagens do clássico Frankenstein (1931) e da escultura Prometeu (1762), estava querendo dizer que, além do hibrismo, o mito do "homem-Deus" sendo criado pelo próprio homem é um arquétipo e constante na equação das produções vindouras. Dar vida e mente a um ser feito, agora, a nossa própria imagem e semelhança é uma ambição científica e um caminho de exploração criativa e artística.
Agora, nos falta somente uma imagem, rs. É a foto que mostra a dupla Tahei & Matashichi da obra The Hidden Fortress ou Fortaleza Escondida (1958), pois, para quem não sabe, foi este filme de Akira Kurosawa que terminou por inspirar a mais famosa dupla de toda a história da ficção científica: R2-D2 & C-3PO de Star Wars (1977), o Gordo e o Magro (Laurel and Hardy) do futurismo.
Mas não para por aí, não!
O androide Maschinenmensch de Metropolis, inspirou o gênio ilustrador e designer de Star Wars, Ralph Angus McQuarrie (1929-2012), a criar o engraçadíssimo e não menos famoso (Magro) da dupla de androides, o C-3PO. Não se enganem! C-3PO, também é fruto da inspiração sobre o personagem o Homem de Lata (Jack Haley) da magnífica obra ficcional, O Mágico de Oz (1939), uma outra preciosidade atemporal do cinema do século passado. Aliás, C-3PO ou Threepio (3PO), nada mais é do que um acrônimo de Class Three Protocol Operative.
P.S.: A imagem que ilustra este texto é do, hahahahahaha, cientista maluco que concebeu o androide Maschinenmensch, ao fundo, que viria a se transformaria na Falsa Maria.
(Continua em Metropolis - VI, onde vou publicar alguns sketches e imagens para compararmos tudo, ok?