Metropolis - VII (ESPECIAL SOBRE O ENIGMÁTICO EPIGRAMA DO ROMANCE E DO FILME)
O filme Metropolis tem inúmeros vetores a serem explorados. Vou comentar, brevemente, um deles que representa a síntese de toda a obra e que só pode ser entendido ao termino do filme. Sem assistir todo o filme, você não compreenderá, na plenitude, o epigrama de abertura de Metrópolis.
Em virtude de ter achado esta epigrama tão formidável, sintético, resolvi verificar como ele estava no livro Metropolis da escritora Thea von Harbou (1888-1954) que também foi roterista do filme homônimo.
No filme, a tradução é a seguinte: "O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração."
Na obra em inglês, no românce, portanto, consta: "The mediator between brain and muscle must be the Heart."
Claro, óbvio que fiquei cismado com a tradução dada no filme que substitui "músculos" por "mãos". É evidente que é uma adaptação muitíssimo feliz - poderia ser, até, uma licença poética. No entanto, se eu fosse o autor adotaria, mesmo, "músculo" em detrimento de "mãos", porque os músculos se reportam perfeitamente à luta e à divisão de classes, sendo que a classe escrava-trabalhadora que subsistia no inframundo de Metropolis fazia o uso dos músculos, da força bruta, para sustentar o sonho e o ideial da cidade apolínea na superfície.
Entretanto, fui checar, ainda, a versão em língua portuguesa que diz extamente a mesma coisa que o original:
"O mediador entre o cérebro e o músculo deve ser o coração."
No entanto, o frontispício completo do livro Metropolis é revelador do ponto de vista psicológio e político - sem dizer histórico! -, pois é o pensamento da escritora e roteirista Thea von Harbou. Vejam:
"Este livro não é sobre hoje ou sobre o futuro,
Ele fala de lugar nenhum,
Ele serve a nenhuma causa, partido ou categoria,
Ele tem uma moral que cresce no pilar do entendimento:
"O mediador entre o cérebro e o músculo deve ser o coração."
(T.V.H.)
Thea von Harbou disse uma coisa, mas em 1932, antes de Hitler subir ao poder na Alemanha, aclamado como Chanceler em janeiro de 1933, ela ingressou no Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães ou simplesmente Partido Nazista, se tornando uma colaboracionista e adepta de um dos regimes mais crueis e destrutivos de toda a história humana.
Embora seja um epigrama, estas breves palavras iniciais do romance Metropolis não deixam de ser o mais absoluto e profundo frontispício da personalidade ou crisálida - ainda oculta - da nazista Thea von Harbou.
Como se sabe, seu ex-marido e diretor de Metropolis, Fritz Lang, era de origem judaica. Logo, não deu mole e sartô fora, fugindo da Alemanha que, logo depois, considerou sua obra um perigo, sendo condenada pelo emergente regime totalitário nazista.
Voltando, agora, ao epigrama do romance, gostaria de fazer algumas observações.
"Este livro não é sobre hoje ou sobre o futuro,
Ele fala de lugar nenhum..."
Haveria que se fazer uma pesquisa biográfica profunda a respeito deste período de sua vida. Vamos, por isso, conjecturar.
Dizer que seu romance não fala sobre o "hoje" e nem mesmo a respeito do "futuro" ou é diletantismo ou um tipo de percepção, mesmo que bastante oclusa, a respeito de uma certeza do seu amanhã. Afimar que a sua obra não se reporta nem ao presente e muito menos ao futuro, por lógica, só resta o passado. Este passado, pra mim, é história, é fato irrefutável de uma máquina mortífera que devorou a Europa Ocidental e Oriental e a África do Norte.
Sou sincero: não conheço a biografia de Thea von Harbou, mas seria uma hipocrisia ou cegueira fundamentalista, negar a crise que vivia a Alemanha naquela época. Ela viveu o pré-nazismo, sua ascenção e toda a crise econômica que soterrou a sociedade alemã de então e, por conseguinte, a escalada inflacionária assassina que corroía o seu país, dia após dia, destruindo sua sociedade e suas famílias impiedosamente.
Hipoteticamente, se a Srª Thea von Harbou negava esta realidade, afirmando que Metropolis não se reportava ao "futuro", eu posso jogar com a possibilidade de que ela sabia qual seria a possível e infausta alvorada da "sua Alemanha" - "SIM!" Ela até poderia não ter uma noção consciente disso, mas produziu uma obra que praticamente profetizou exatamente o oposto. Logo, se tivessemos a possibilidade de pô-la em análise, especialmente este grande sonho totalistarista, eu afirmaria que seu inconsciente já estava atuando com má fé.
A Venezuela e a sua crise fabricada pelo fanatismo de décadas é uma pequena amostra, perto do que foi a Alemanha que antecedeu a subida de Hitler e toda uma casta de psicopatas ao poder alemão, do qual Thea von Harbou foi testemunha ocular e depois colaboracionista.
Quando a autora diz que Metropolis "...Fala de lugar algum" é a mais cínica mentira, porque, em sua psique, não é uma ficção, mas uma realidade, uma projeção localizada e com firma reconhecida. Reafirmo a má fé oculta na personalidade desta escritora.
Continua a autora em seu epigrama, quando diz que "Ela serve a nenhuma causa, partido ou categoria". Aqui, Thea von Harbou faria o pai do cinismo, Antístenes de Atenas (445 a.C. - 365 a.C.) se ruborizaria de vergonha. É muito interessante vermos que ela profetizou sobre si mesma! Defendeu uma "causa", entrou para um "partido" e se "categoria" for compreendido - alternativamente - como judeus, negros, ciganos, doentes mentais, homossexuais, eslavos ou qualquer opositor do regime genocida nazista; ou, para estar mais de acordo com Alfred Rosenberg (1893-1946), o pai da ideologia racista-ariana do nazismo, todos os Untermenschen ou subumanos . "Categoria" são simplesmente vítimas do amanhã do qual Harbou foi partícipe. Ela já tinha em si mesma - soubesse ou não - as sementes e os fundamentos da encarnação de Falsa Maria que só mentia. Aliás, mentir foi a sua única verdade da qual ela nunca se escondeu, ao propalar, entre as massas, as inverdades e todo o desastre provocado por esta personagem que nada mais foi do que uma porção da projeção da psique de Thea von Harbou.
Portanto, Metropolis não é somente uma obra de ficção científica; é, também, uma projeção psíquica que sempre esteve presente e embutida na psique de sua mentora, a romancista, roteirista Thea von Harbou que, ao final da Segunda Grande Guerra, foi capturada e presa pelos inglêses que lhe imputaram a severíssima pena de trabalhos forçados na Inglaterra. Entre os anos de 1945 a 1951, o Tribunal Penal Internancional de Nuremberg ordenou que Thea von Harbou fosse impedida de trabalhar com cinema na Alemanha.
Na penúltima frase do epigrama, Thea von Harbou diz: "Ele tem uma moral que cresce no pilar do entendimento..." Pergunto, então: A que moral ou costumes, hábitos e preceitos éticos e edificadores, ela se curvou e realmente serviu na realidade? No filme, quando a turba reconhece a Falsa Maria como uma bruxa, ela é levada à fogueira, onde é queimada, revelando realmente quem é: o robô ou androide Maschinenmensch. Quem era, em verdade, Thea von Harbou, então? Ao término do epigrama, em sua última frase, ela fala de afeto, por que, então, aderiu a uma causa que tinha como fundamento a psicopatia numa escala inimaginável?
É sabido que a filiação de von Harbou ao nazismo foi decisivo no divorcio entre ela e Fritz Lang, pois, até onde pude constatar, ela foi uma fiel colaboradora na cinematografia do partido, onde ofereceu suporte e criação ao Reich e ao malígino e manco todo poderoso da propaganda nazi fascista, Josef Goebbels.
Novamente, pergunto: Quem era Thea von Harbou?
Por quê?
P.S.: A foto que ilustra, mostra, à esquerda, Fritz Lang e, à direita, Thea von Harbou. Juntamente, os epigramas do filme e do livro Metropolis nas duas versões. Em Metropolis - VIII, falarei um pouco sobre detalhes INTERESSANTÍSSIMOS a respeito da estética desta obra.